24 de setembro de 2011

Falando em viajar...

Recebi o texto abaixo por e-mail. Vale a pena ler!


Como a classe média alta brasileira é escrava do “alto padrão” dos supérfluos.

Nossa convidada de hoje da seção Mulheres no Mundo.

Adriana Setti - jornalista e blogueira

No ano passado, meus pais (profissionais ultra-bem-sucedidos que decidiram reduzir o ritmo em tempo de aproveitar a vida com alegria e saúde) tomaram uma
decisão surpreendente para um casal – muito enxuto, diga-se – de mais de 60
anos: alugaram o apartamento em um bairro nobre de São Paulo a um parente,
enfiaram algumas peças de roupa na mala e embarcaram para Barcelona, onde meu irmão e eu moramos, para uma espécie de ano sabático.

Aqui na capital catalã, os dois alugaram um apartamento agradabilíssimo no bairro modernista do Eixample (mas com um terço do tamanho e um vigésimo do conforto do de São Paulo), com direito a limpeza de apenas algumas horas, uma vez por semana. Como nunca cozinharam para si mesmos, saíam todos os dias para almoçar e/ou jantar. Com tempo de sobra, devoraram o calendário cultural da cidade: shows, peças de teatro, cinema e ópera quase diariamente. Também viajaram um pouco pela Espanha e a Europa. E tudo isso, muitas vezes, na companhia de filhos, genro, nora e amigos, a quem proporcionaram incontáveis jantares regados a vinhos.

Com o passar de alguns meses, meus pais fizeram uma constatação que beirava o inacreditável: estavam gastando muito menos mensalmente para viver aqui do que gastavam no Brasil. Sendo que em São Paulo saíam para comer fora ou para algum programa cultural só de vez em quando (por causa do trânsito, dos problemas de segurança, etc.), moravam em apartamento próprio e quase nunca viajavam.

Milagre? Não. O que acontece é que, ao contrário do que fazem a maioria dos pais, eles resolveram experimentar o modelo de vida dos filhos em benefício próprio. “Quero uma vida mais simples como a sua”, me disse um dia a minha mãe. Isso, nesse caso, significou deixar de lado o altíssimo padrão de vida de classe média alta paulistana para adotar, como “estagiários”, o padrão de vida – mais austero e justo – da classe média européia, da qual eu e meu irmão fazemos parte hoje em dia (eu há dez anos e ele, quatro). O dinheiro que “sobrou”
aplicaram em coisas prazerosas e gratificantes.

Do outro lado do Atlântico, a coisa é bem diferente. A classe média européia
não está acostumada com a moleza. Toda pessoa normal que se preze esfria a
barriga no tanque e a esquenta no fogão, caminha até a padaria para comprar o
seu próprio pão e enche o tanque de gasolina com as próprias mãos. É o preço
que se paga por conviver com algo totalmente desconhecido no nosso país: a
ausência do absurdo abismo social e, portanto, da mão de obra barata e
disponível para qualquer necessidade do dia a dia.

Traduzindo essa teoria na experiência vivida por meus pais, eles reaprenderam
(uma vez que nenhum deles vem de família rica, muito pelo contrário) a dar uma
limpada na casa nos intervalos do dia da faxina, a usar o transporte público e
as próprias pernas, a lavar a própria roupa, a não ter carro (e manobrista, e garagem, e seguro), enfim, a levar uma vida mais “sustentável”. Não doeu nada.

Uma vez de volta ao Brasil, eles simplificaram a estrutura que os cercava, cortaram uma lista enorme de itens supérfluos, reduziram assim os custos fixos e, mais leves, tornaram-se mais portáteis (este ano, por exemplo, passaram mais três meses por aqui, num apê ainda mais simples).

Por que estou contando isso a vocês? Porque o resultado desse experimento quase científico feito pelos pais é a prova concreta de uma teoria que defendo em
muitas conversas com amigos brasileiros: o nababesco padrão de vida almejado
por parte da classe média alta brasileira (que um europeu relutaria em adotar
até por uma questão de princípios) acaba gerando stress, amarras e muita
complicação como efeitos colaterais. E isso sem falar na questão moral e social
da coisa.

Babás, empregadas, carro extra em São Paulo para o dia do rodízio (essa é de
lascar!), casa na praia, móveis caríssimos e roupas de marca podem ser o sonho
de qualquer um, claro (não é o meu, mas quem sou eu para discutir?). Só que,
mesmo em quem se delicia com essas coisas, a obrigação auto-imposta de manter tudo isso – e administrar essa estrutura que acaba se tornando cada vez maior e complexa – acaba fazendo com que o conforto se transforme em escravidão sem que a “vítima” se dê conta disso. E tem muita gente que aceita qualquer contingência num emprego malfadado, apenas para não perder as mordomias da vida.

Alguns amigos paulistanos não se conformam com a quantidade de viagens que faço por ano (no último ano foram quatro meses – graças também, é claro, à minha vida de freelancer). “Você está milionária?”, me perguntam eles, que têm sofás (em L, óbvio) comprados na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, TV LED último modelo e o carro do ano (enquanto mal têm tempo de usufruir tudo isso, de tanto que ralam para manter o padrão).

É muito mais simples do que parece. Limpo o meu próprio banheiro, não estou nem aí para roupas de marca e tenho algumas manchas no meu sofá baratex. Antes isso do que a escravidão de um padrão de vida que não traz felicidade. Ou, pelo menos, não a minha. Essa foi a maior lição que aprendi com os europeus — que viajam mais do que ninguém, são mestres na arte do "savoir vivre" e
sabem muito bem como pilotar um fogão e uma vassoura.


PS: Não estou pregando a morte das empregadas domésticas – que precisam do
emprego no Brasil –, a queima dos sofás em L e nem achando que o “modelo frugal europeu” funciona para todo mundo como receita de felicidade. Antes que alguém me acuse de tomar o comportamento de uma parcela da classe média alta
paulistana como uma generalização sobre a sociedade brasileira, digo logo que,
sim, esse texto se aplica ao pé da letra para um público bem específico. Também
entendo perfeitamente que a vida não é tão “boa” para todos no Brasil, e que o
“problema” que levanto aqui pode até soar ridículo para alguns – por ser menor.
Minha intenção, com esse texto, é apenas tentar mostrar que a vida sempre pode
ser menos complicada e mais racional do que imaginam as elites mal-acostumadas no Brasil.

4 comentários:

  1. Adorei o texto, Bia. Ele é perfeitamente aplicável á classe média alta de Buenos Aires, além da brasileira. Viver na Europa é uma experiência absolutamente diferente da que os sul americanos mais abastados estamos acostumados e seguramente temos muito o que aprender da mesma. Mas também devo confessar (após ter vivido 3 anos em Madri e ter muitas saudades), que o nosso estilo de vida, do lado de cá do Atlântico, é menos estressante pelo menos pra mim que tenho filhos pequenos. O padrão europeu é maravilhoso para solteiros ou quem já criou seus filhos. Para quem ainda não o fez, implica numa ralação difícil e ás vezes também bastante estressante. Bj

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  2. Bia, que texto ótimo! Eu que também estou morando na Europa esse ano também vejo que as pessoas aqui são mais simples. Não tem essa de empregada todo dia. Tem gente que vai de terno, gravata e bicicleta pro trabalho.
    Eu vim pra cá pra ser au pair (babá).Não é fácil. Abri mão de um ano de estudo e trabalho na minha área pra conhecer esse lado de cá do mundo. E realmente, viajar é uma das melhores coisas da vida. Não precisa ser rico, milionário pra poder viajar. Eu sou prova disso.
    Infelizmente o Brasil tem essa diferença social gigantesca, onde muitos não tem o que comer e outros tem o tal carro extra pro rodízio.
    Além da diferença social, a mentalidade brasileira ainda é focada nessa classe alta. As pessoas ais simples se endividando pra ter uma tv gigante que mal cabe em sua sala. Se endividam pra ter roupas de marca, carro, coisas fúteis.
    É bom ter uma vida confortável. Mas é possível ter conforto numa vida simples.

    Beijos Bia!

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  3. Lindo texto. Qdo se mais têm mais se quer ter e mais dor de cabeça terá à medida que o tempo passar! Na vida, às vezes menos é muito mas muito mais mesmo!

    Bjos

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  4. Cris, dizem que há uma grande vantagem de criar filhos pequenos na Europa ao invés do Brasil, a SEGURANÇA!
    Ana, adorei a sua frase "é bom ter uma vida confortável. Mas é possível ter conforto numa vida simples". Quando estive no exterior aprendi a valorizar muitas outras coisas além do conforto!
    Essa frase é parecida com a da Gisley "menos é muito, mas muito mais mesmo!"
    beijoss

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